Por José Câmara e Rafaela Moreira, g1 MS — Mato Grosso do Sul


Alguns profissionais que realizaram o concurso público para professor de ciências/biologia para a rede pública de ensino de Campo Grande disseram que a seleção trouxe questões que expressam homofobia e que o vírus da Covid-19 foi criado em uma laboratório chinês. Veja foto dos enunciados abaixo.

A prova, que foi realizada no domingo passado (12), contou com 40 questões. Após a aplicação da seleção, concurseiros procuraram o g1 para denunciar dois enunciados em específico - as pessoas pediram para não serem identificadas por medo de sofrerem retaliações. Em nota, a empresa que realizou o concurso disse que tem uma equipe de revisão (leia nota no final da reportagem).

Teoria da Covid-19

A questão de número 34 procura descobrir a resposta incorreta sobre a "técnica do DNA recombinante que é uma importante arma biológica para engenharia genética na produção de diferentes proteínas em laboratório". Veja foto do enunciado abaixo.

A pergunta apresenta uma "teoria conspiratória" sobre a Covid, segundo concurseiros. — Foto: Reprodução

As respostas apresentam conceitos biológicos relacionados a criação de proteínas em laboratórios, como técnicas de "inserção de gene da insulina no DNA". Além, outras respostas apresentam teses sobre o melhoramento genético em vegetais por meio da técnica.

Entretanto, os profissionais que realizaram o concurso, em maioria, acreditaram que a resposta incorreta seria a "B", em que apresenta uma "teoria conspiratória", onde diz que "o laboratório chinês Bioengenharia localizado em Wuhan, produziu o vírus da Covid-19". Porém, ao verem o gabarito preliminar, o espanto foi maior para os concurseiros: a teoria que acharam "conspiratória" é apresentada como correta.

Em recurso, uma das pessoas que realizou a prova disse: "Tem apenas hipótese de origem da Covid-19. É incorreto afirmar que foi um vírus criado em laboratório na China. Não existe comprovação dessa informação, é errado criar esse tipo de especulação e apresentar em uma prova de concurso como uma resposta correta. É como espalhar fake news".

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Outra pessoa que realizou a prova compartilhou a insatisfação com os enunciados e respostas:

"Muitos enunciados confusos, no geral da prova, falando na parte de ciências biológicas, existiam várias alternativas que pareciam absurdas para mim e na verdade foram consideradas corretas pela banca. [...] Em uma seletiva municipal para professores, como é possível dizer algo que é somente uma grande especulação e ainda afirmar que um país foi responsável por uma pandemia, absurdo".

Homofobia

Comissão de direitos humanos da OAB/MS se colocou à disposição para realizar denúncia. — Foto: Reprodução

Em outra questão, a de número 35, o enunciado apresenta uma história em que dois gêmeos univitelinos, nascidos em família judaica, foram circuncidados, porém um dos meninos teve o "pênis parcialmente amputado. Após várias consultas a especialistas, a família decidiu terminar o processo de amputação, fazer uma cirurgia para construção de uma vagina, registrar a criança com nome feminino e educá-la como menina".

Para o professor e doutor em ciências sociais, Tiago Duque, "a questão é mal formulada por completo". O professor que atua na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) acredita que a questão deve ser anulada, por apresentar um "vocabulário perigoso".

"A questão está desatualizada na forma de se referir a experiência de gênero, sexualidade e sexo do caso em questão", destaca o professor.

O presidente da comissão de direitos humanos da Ordem de Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul, Christopher Scapinelli, acredita que a questão é ambígua. Mesmo com a pergunta pedindo aos concurseiros a resposta errada, Scapinelli vê que as perguntas e respostas são desnecessárias e "deveriam ser evitadas", pois "não retratam a realidade".

"Estamos vivendo um tempo de opressão e discriminação. Infelizmente. A nossa luta é justamente sensibilizar e evitar a sua reiteração", detalha o presidente da comissão.

Após os recursos de pedido de anulação por parte das pessoas que realizaram a prova, a comissão de direitos humanos da OAB/MS se "colocou à disposição para oficiar a empresa para uma reanálise da questão".

A OAB/MS orienta que os participantes do certame que se sentiram ofendidos podem contar com a orientação da entidade pelo telefone (67) 3318-4700.

De acordo com um professor de biologia, que preferiu não se identificar, o termo aberração cromossômica é utilizado, contudo, na avaliação foi empregado apenas o termo "aberração". Segundo o especialista, ouvido pela reportagem, biologicamente o termo "aberração" não condiz com o comportamento homossexual.

"Quando trabalhamos como mutações, o termo aberração cromossômica é utilizado, mas em nenhum momento isso deve ser associado ao comportamento homossexual, o que abre brecha para pensamentos homofóbicos, muitas pessoas não sabem que aberração é um termo da biologia”, apontou.

Resposta

A empresa MS Concursos, que realizou a prova e segue com os trâmites de correção, respondeu aos questionamentos do g1 em nota. Veja o posicionamento na íntegra abaixo:

"Nossa Empresa tem uma equipe de revisão, composta por professores de língua portuguesa. A questão 34 refere-se a 'A figura a seguir representa, de forma esquemática, a técnica do DNA recombinante que é uma importante arma biológica para a Engenharia Genética na produção de diferentes proteínas em laboratório.' Quanto a questão 35, na alternativa D consta: O comportamento homossexual é uma aberração que depende da marcação dos cromossomos sexuais. Para melhor esclarecimento citamos 'As aberrações cromossômicas são consideradas indicadores biológicos sensíveis ao dano ocorrido no ácido desoxirribonucleico (DNA) (Da Silva, 2001)'. Acreditamos que os 'que se sentiram desrespeitados com duas questões' não entenderam que, no contexto da prova, 'aberração' não se trata de uma afronta ao homossexual, mas de um termo científico".

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