CABUL - Um dia após desafiarem uma ordem do governo do Talibã e não cobrirem os seus rostos, apresentadoras de televisão do Afeganistão apareceram no ar com as faces cobertas neste domingo. Mulheres com rostos tapados por véus ou hijabs e só os olhos à mostra apresentaram programas nos canais TOLOnews, Ariana Television, Shamshad TV e 1TV, segundo a BBC.
A anuência à ordem é a mais recente demonstração do controle rígido que o Talibã impôs às mulheres afegãs em menos de um ano. As medidas restritivas não dizem respeito somente a direitos básicos, como educação e empregos para mulheres, mas a todas as facetas da vida pública, de comportamento a viagens.
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Nas últimas semanas, as demandas do regime têm sido cada vez mais radicais. No início deste mês, o Talibã ordenou que todas as mulheres usassem roupas da cabeça aos pés em público, deixando apenas os olhos visíveis.
O decreto ainda dizia que as mulheres deveriam sair de casa apenas quando necessário, e exigia que as mulheres que viajam a mais de 70 quilômetros de suas casas fossem acompanhadas por um parente do sexo masculino.
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O decreto impunha ainda que os parentes homens das mulheres enfrentariam punições por violações do código de vestimenta delas, começando com uma intimação e chegando a audiências judiciais e até à prisão.
O Talibã também emitiu um decreto proibindo meninas de frequentar a escola após a sexta série, revertendo promessas anteriores de autoridades do grupo, de que meninas de todas as idades teriam permissão para estudar.
Em agosto, quando reconquistou Cabul, o Talibã prometeu impor políticas menos restritivas em relação às mulheres do que durante o seu governo anterior, no final dos anos 1990.
— Não haverá violência contra as mulheres, nenhum preconceito contra as mulheres — disse então o porta-voz do Taleban, Zabihullah Mujahid, a repórteres.
Sua promessa não foi cumprida: em questão de meses, o Talibã impôs decretos rigorosos, que forçaram as mulheres a abandonar as imperfeitas, mas reais liberdades conquistadas nas últimas duas décadas, para em vez disso seguirem uma interpretação dura da lei islâmica que sufoca os direitos femininos.
Uma das apresentadoras, Sonia Nazin, do canal TOLONews, disse à agência de notícias AFP que a empresa sofreu pressão do governo:
— A TOLOnews foi pressionada e disseram que qualquer apresentadora que aparecesse na tela sem cobrir o rosto deveria receber algum outro trabalho ou simplesmente ser removida — disse ela.
O diretor da TOLONews, Khpolwak Sapai, disse que o canal foi forçado a tomar essa posição:
— Nos disseram “vocês estão forçados a fazer isso. Vocês devem fazer. Não há outro jeito”. Fui chamado ao telefone ontem e me disseram diretamente para fazer isso. Então, não é por escolha, mas por força — relatou.
Neste domingo, funcionários homens da TOLONews usaram máscaras nos escritórios da empresa em solidariedade às colegas mulheres.
Outro porta-voz do governo do Talibã, Mohammad Akif Sadeq Mohajir, afirmou que as autoridades apreciaram a disposição das empresas de mídia em acatar o novo código de vestimenta:
— Estamos felizes com os canais de mídia. Não temos a intenção de remover elas [as apresentadoras] da cena pública, marginalizá-las ou privá-las de seu direito ao trabalho — disse o porta-voz.
Ele disse que as patrulhas do ministério não forçaram as mulheres a se cobrirem, mas apenas explicaram o decreto para incentivar o cumprimento total.
— O hijab é uma ordem de Deus e deve ser observado — disse Akif, acrescentando que o regulamento para as mulheres era “para sua própria proteção”.
Akif disse que alguns homens foram formalmente notificados de violações de suas parentes, mas não punidos.
Essa pressão foi denunciada por algumas mulheres.
— Meu pai e meus irmãos não têm problemas comigo — disse Mozhda, de 25 anos, ativista dos direitos das mulheres em Mazar-i-Sharif que se recusou a cobrir o rosto e pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome por medo de represálias.
Até a tomada do poder no verão passado, o Talibã estava fora do poder há 20 anos, e muitas mulheres, especialmente nas cidades, se acostumaram com os costumes mais relaxados.
— As mulheres agora não são como as mulheres de 20 anos atrás, e o Talibã deve entender isso — disse Fatima Farahi, 55, ativista dos direitos das mulheres em Herat, no Oeste do Afeganistão.
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Farahi disse que ela e muitas outras mulheres em Herat se recusaram a cobrir o rosto. Até agora, ela disse, ela e seus colegas não haviam sido ameaçados pelo Talibã.
Em Cabul, um grupo de manifestantes que se autodenomina Movimento das Mulheres Poderosas do Afeganistão prometeu continuar a protestar e usar as mídias sociais para instar as mulheres a desafiar o decreto.
Quando homens armados do Talibã ordenaram que eles parassem um comício recente, uma líder do protesto, Munisa Mubariz, gritou:
— Vocês não podem parar nossas vozes!
As mulheres disseram que foram avisadas de que seriam presas por cinco dias se protestassem novamente.